MANIFESTO
PELA INCLUSÃO DAS CARREIRAS DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA NA LEI ORGÂNICA DA POLÍCIA PENAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
PELA INCLUSÃO DAS CARREIRAS DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA NA LEI ORGÂNICA DA POLÍCIA PENAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
Nós, servidores públicos que integram as carreiras de Assistência e Saúde da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, cujos cargos estão atualmente contemplados pela Lei Estadual 1157/2011, gostaríamos de apresentar respeitosamente esta pauta de reivindicações, conforme exposto abaixo:
Destacamos a importância fundamental da fase de Execução da pena, estabelecida pela Lei de Execuções Penais – Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (LEP), em consonância com diversos marcos regulatórios nacionais e internacionais, como as Regras de Bangkok, as Regras para o Tratamento de Prisioneiros da ONU e os Princípios de Yogyakarta, entre outros, nos quais o Brasil é signatário e, portanto, têm força de lei em nosso país. Além desses marcos regulatórios, é importante destacar que a custódia de pessoas requer conhecimentos transversais e intersetoriais, que surgem a partir da complexidade da condição humana em suas diversas manifestações e intersecções, e abordam questões sociais que afetam grupos populacionais historicamente vulneráveis e estigmatizados. Quando essas pessoas passam pelo sistema prisional, é necessário fornecer-lhes um conjunto de acompanhamentos para reduzir essas vulnerabilidades, visando à sua reintegração social satisfatória, não apenas evitando a reincidência, mas também promovendo autonomia, desenvolvimento humano e uma postura cidadã em relação ao contexto social em que estão inseridas.
A Constituição Brasileira assegura o direito à saúde a todos os cidadãos, inclusive àqueles que estão cumprindo pena. Dessa forma, a assistência à saúde no sistema prisional é uma maneira de garantir o respeito aos direitos constitucionais dos detentos.
As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, também conhecidas como Regras de Mandela, estabelecem parâmetros necessários para uma reestruturação do atual modelo penal. Cabe lembrar que tais regras estão inseridas na Constituição Paulista em seu artigo 143, com destaque para a preparação para a libertação e reintegração social. Para isso, profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros, dentistas, nutricionistas, assistentes sociais e psicólogos, são essenciais, pois são eles que realizam ações destinadas à saúde física e mental, à prevenção do suicídio, à mediação com os familiares, além da classificação e avaliação psicológica e social, entre outras atividades. Essas ações visam cumprir o objetivo fundamental da prisão, que é proteger a sociedade contra o crime e contribuir para a redução da reincidência, garantindo o respeito aos direitos humanos e à dignidade dos reclusos, promovendo sua reabilitação e reintegração social.
Um dos grupos em minoria que não tem seus direitos respeitados, como diz a lei, é o LGBTQIA+, que já sofre diversas violações baseadas em preconceito no meio social normal e que são potencializados no ambiente prisional. Com o objetivo de combater essa realidade, foi promulgado pela ONU Os Princípios de Yogyakarta, que, em seus diversos princípios, defendem o direito dessa população.
Este fenômeno evidencia a importância de atendimento individualizado, somados a ações e projetos que visem a diminuição das violações e a construção de um processo de reintegração social qualificado, sendo os profissionais de assistência e de saúde responsáveis por sua execução.
Desde a criação da Secretaria da Administração Penitenciária há mais de 30 anos, os profissionais de assistência e de saúde já compõem as carreiras que atuam no cotidiano das Unidades Prisionais. Nos decretos de criação das Unidades Prisionais constam as Diretorias de Saúde e Diretorias de Reintegração Social, nas quais estes profissionais estão contemplados. A Diretoria do Centro de Reintegração Social, na sua legitimidade, tem como objetivo desenvolver ações, programas e projetos de forma a garantir a assistência integral à pessoa privada de liberdade, com respeito à sua identidade de gênero, religiosidade, condição social e promoção da saúde, de acordo com a Lei de Execução Penal. Realiza articulação técnica com os demais setores para acompanhamento da execução da pena, coordena projetos e ações que propiciam a aproximação da sociedade e do cárcere. Compõe a Comissão Técnica de Classificação e coordena a equipe de saúde.
A Diretoria do Núcleo de Atendimento à Saúde tem como objetivo gerenciar a equipe de enfermagem, médica e odontológica. Elaborar escalas de trabalho, manter intercâmbio entre os serviços médicos externos, orientar, fiscalizar e discutir com os profissionais de saúde as ações do setor. Desenvolve ações técnicas para garantir a efetivação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas (PNAISP), vinculada ao Ministério da Saúde e ao Departamento Penitenciário Nacional.
A presença de profissionais de Psicologia e Serviço Social na Administração Penitenciária também se consolida no atendimento a pessoas egressas do sistema prisional, condenadas à prestação de serviços à comunidade e familiares de pessoas presas, atualmente executadas por uma Coordenadoria subordinada a Administração Penitenciária. Os Departamentos de Penas e Medidas Alternativas, responsável pela execução do programa de penas alternativas e de Atenção ao Egresso e Família, responsável pelas ações de reintegração social a serem desenvolvidas com pré-egressos, junto às unidades prisionais, atendimento à problemática social do cotidiano, entre outras ações articuladas a rede socioassistencial do território. Importante destacar que Psicólogas e Assistentes Sociais, presentes em cerca de 140 equipamentos, são responsáveis pelas principais ações realizadas.
Esses instrumentos legais e diretrizes internacionais enfatizam a importância da assistência e do cuidado integral às pessoas sob custódia, entendendo que o termo “custódia” se refere não apenas à vigilância e ao controle dos corpos, mas também ao cuidado das pessoas em privação de liberdade e daquelas que deixaram o sistema prisional, abordando seu aspecto biopsicossocial.
A inclusão das carreiras de assistência e saúde no Órgão Polícia Penal é de suma importância para garantir um ambiente prisional mais humanizado e compatível com os padrões estabelecidos pelas leis nacionais e tratados internacionais. Essas carreiras possuem conhecimentos e habilidades específicas que são essenciais para atender às demandas sociais, biológicas e de saúde mental de pessoas presas e egressas.
A presença de profissionais de Psicologia visa fornecer cuidados em saúde mental e pode ajudar a prevenir doenças e oferecer suporte emocional às pessoas presas, contribuindo não apenas para melhorar a qualidade de vida dos indivíduos encarcerados, mas também para auxiliar na reintegração social, proporcionando melhores condições de saúde física e mental. A Psicologia também é responsável pela realização de avaliações psicológicas e pelo acompanhamento adequado das pessoas presas e seus familiares, auxiliando na identificação e tratamento de questões emocionais decorrentes do encarceramento, além de contribuir para a classificação e individualização da pena, incluindo a avaliação para subsidiar o pedido de progressão de pena, conhecido como exame criminológico.
O Serviço Social desempenha um papel fundamental na identificação das demandas sociais, pois é uma profissão intervencionista. Desse modo, possibilita o acesso aos direitos sociais e de cidadania das pessoas presas e seus familiares, facilitando a aproximação familiar e fornecendo procedimentos e encaminhamentos para direitos trabalhistas, como auxílio-reclusão e recebimento de FGTS, entre outros. Também são responsáveis por providenciar a emissão de documentos civis, como certidão de nascimento, cédula de identidade, cadastro de pessoa física e título eleitoral, entre outros. Além disso, desempenham um papel de extrema importância na intermediação de vínculos afetivos, por meio da localização, contato e sensibilização de familiares, visando à restauração e fortalecimento dos laços afetivos. A ausência e a fragilização desses laços podem resultar na reincidência criminal. Esses profissionais também participam do processo de individualização de pena, classificação, realização de exame criminológico e busca de soluções para a reintegração social.
Os profissionais nutricionistas atuam na supervisão das adequadas condições higiênico-sanitárias dos serviços de alimentação no sistema penitenciário, além de fornecerem assistência nutricional às pessoas privadas de liberdade. Eles contribuem para a promoção da saúde por meio de uma alimentação adequada e saudável, prevenindo doenças relacionadas à alimentação e ao estado nutricional da população atendida. Além disso, auxiliam no tratamento clínico de indivíduos com comorbidades preexistentes, realizando diagnósticos nutricionais e aplicando intervenções específicas.
A enfermagem desempenha um papel fundamental na execução penal, proporcionando cuidados de saúde aos indivíduos privados de liberdade. Além de garantir assistência médica adequada, os profissionais de enfermagem também podem contribuir para a reintegração social dos detentos. Além disso, a enfermagem pode desempenhar um papel educativo no ambiente prisional, fornecendo informações sobre higiene, prevenção de doenças e cuidados básicos de saúde. Essa abordagem educativa capacita os detentos a cuidarem melhor de si mesmos e a adotarem comportamentos saudáveis, contribuindo para sua reintegração na sociedade após o cumprimento da pena.
Medicina, Odontologia, Farmácia e Terapia Ocupacional também desempenham um papel importante na assistência durante a execução penal, tanto do ponto de vista constitucional quanto na prevenção de doenças, no tratamento adequado e no fornecimento de assistência em casos de emergência, evitando agravamentos e mortes por doenças comuns no ambiente carcerário.
A inclusão dessas categorias, que já fazem parte do cotidiano das prisões há décadas, pois estão previstas na Lei de Execução Penal, no Órgão Polícia Penal trará benefícios significativos tanto para a população carcerária quanto para os próprios profissionais envolvidos. Além de proporcionar uma abordagem multidisciplinar e integral no cuidado às pessoas em privação de liberdade, também possibilita a implementação de políticas e práticas que visam à ressocialização e à reinserção desses indivíduos na sociedade.
A Procuradoria Geral do Estado no parecer NDP n° 58/2022 cita textualmente: “repare-se que a id do SUSP fez, menção geral aos órgãos do sistema penitenciário como um todo, não referindo especificamente os agentes penitenciários. Assim, em face a complexidade e transversalidade das ações referentes a execução penal, o legislador sabidamente incluiu todos os órgãos dedicados a execução penal, listados expressamente no artigo 61 da lei de execução penal, como integrantes operacionais do Sistema Único de Segurança Publica.” e continua: “Ainda, conforme percepção das Prioridades e Objetivos estabelecidas no Plano Nacional de Segurança Nacional, pode-se verificar que a atuação do operador prisional se relaciona com outras áreas de atuação e gestão do sistema penitenciário (..) “
Portanto, é inconcebível do ponto de vista técnico qualquer possibilidade de não incluir as carreiras de saúde e assistência na Lei Orgânica da Polícia Penal. Além de participarem efetivamente das ações de saúde e reintegração, eles também possuem a especificidade da função de perito avaliador, podendo ser considerados como especialistas em execução penal. Uma eventual não inclusão dos profissionais das carreiras da saúde e assistência na lei orgânica da Polícia Penal afeta a eficiência e efetividade da instituição a ser criada, visto que a integração entre os profissionais de segurança, disciplina e vigilância é diretamente referida tanto na lei de execuções penais quanto no Sistema Único de Segurança Pública.
Os profissionais de destas áreas tem atuação diferenciada de seus congêneres de outras secretarias, visto que a complexidade inerente a atuação dentro do sistema prisional não encontra parâmetros em outras áreas de atuação desses profissionais. A atuação harmoniosa da Polícia Penal depende todo o processo de cumprimento da pena e garantia do fiel cumprimento por parte do Estado do que é determinado pela Lei de Execuções Penais e do Artigo 143 da Constituição do estado de São Paulo.
Diante do exposto, solicitamos a inclusão das categorias de saúde e assistência, atualmente regidas por uma legislação generalista, Lei 1157/2011, na Lei Orgânica da Polícia Penal do Estado de São Paulo. Essa medida contribuirá para a efetivação de uma gestão prisional mais humanizada e alinhada com os princípios estabelecidos pelas leis e normas nacionais e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, portanto, obrigados ao seu cumprimento sob risco de medidas cabíveis.
São Paulo, 23 de julho de 2023.